
Os navios afundados
guardam muitos mistérios em suas estruturas corroídas. E excitante
pensar que bravos marinheiros os manobravam para singrar os oceanos ou
mesmo envolver-se em lutas sangrentas com piratas para defender suas
valiosas cargas. Por muitos séculos, essas embarcações afundadas permaneceram longe do alcance de nossa curiosidade.
Porém, com a descoberta e o aprimoramento dos equipamentos de
mergulho, o homem afastou o véu dos segredos e pôde atingir seus
sonhos: conhecer de perto os naufrágios. E quando nadamos calmamente
pelos corredores das embarcações, ouvindo apenas o barulho de nossa
própria respiração, podemos sentir a presença mágica do lugar, com as
incontáveis formas de vida que colonizaram seus compartimentos.
Os navios afundados — naufrágios, no jargão dos
mergulhadores — sempre foram alvo de caçadores de tesouros, que deles
tentavam retirar alguma coisa da carga valiosa que afundara junto com a
embarcação. As primeiras tentativas foram tímidas, com os aventureiros
recuperando objetos espalhados pelo fundo. Mas com o passar dos anos e
o desenvolvimento de técnicas específicas, foi possível criar um método
de recuperação de objetos submersos, que hoje tem o auxílio de
detetores magnéticos e robôs, além de minuciosos estudos científicos.
Mesmo com a utilização das técnicas modernas e os recursos
empregados nas recuperações, as histórias de sucesso são raras. Mel
Fisher, presidente da Treasure Salvours, uma empresa exclusiva de
resgates, tornouse famoso ao recuperar um valioso tesouro das
profundezas do mar.
As pesquisas levaram Fisher aos destroços do Nuestra Señora de Atocha,
um galeão que afundou em 1622 nas águas rasas e quentes do Caribe,
rendendo ao mergulhador mais de 400 milhões de dólares em objetos
valiosos. Para a maioria, no entanto, o prêmio é o insucesso, fazendo
com que inúmeros pesquisadores abandonem suas buscas muitos anos e
dólares depois de iniciadas.
Sobre esses aventureiros em geral ainda paira o estigma de piratas
que pilham os objetos encontrados. Vale esclarecer que os caçadores de
tesouros são na maioria estudiosos que gastam muitos de seus anos em
bibliotecas, levantando dados que possam levar a um navio que tenha
relevância histórica. Isto é o que acontece no Brasil, já que, conforme
a Lei Nacional que regulamenta a exploração de submersos, cabem à
União todos os direitos sobre os tesouros que porventura forem
encontrados pelos mergulhadores. 0 que não impede que dezenas de
aventureiros se dediquem a procurar tesouros pelos oito mil quilômetros
da costa brasileira, rica em naufrágios, pois há dois mil deles
catalogados. Embora a maioria não esteja adequadamente localizada, um
grande número é freqüentemente visitado por mergulhadores em busca
apenas de aventura. E o que acontece com o Alfama de Lisboa, afundado
em agosto de 1809, no litoral de Recife, e que é considerado um dos
mais antigos naufrágios brasileiros. De suas estruturas frágeis, já
foram recuperadas por amadores peças valiosas em cerâmica, porcelana e
prata, em perfeito estado de conservação.
Em Pernambuco também se encontra o mais importante naufrágio brasileiro: o do navio Santa Rosa.
Esta embarcação foi a pique no ano de 1726, próximo ao cabo de Santo
Agostinho, com 26 toneladas de ouro a bordo. A valiosa carga afundada
transformou o Santa Rosa no segundo naufrágio mais valioso do mundo.
Em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco encontrase a maioria dos
navios afundados na costa brasileira. Neles já não há mais tesouros a
recuperar, e os mergulhadores que se aventuram a explorálos estão mais
interessados em apreciar a belíssima fauna marinha do que recuperar
algum objeto valioso.
É preciso saber mais do que apenas mergulhar para ser um caçador de
tesouros. A recuperação e principalmente a restauração e a conservação
das peças encontradas requerem estudo e técnicas adequadas, além de
altos investimentos financeiros. Há mergulhadores despreparados que
retiram do mar verdadeiros patrimônios históricos sem ter noção do que
encontraram, causando, muitas vezes, perda total do achado. Além disso,
localizar e identificar um navio nem sempre é fácil, ainda mais saber
de sua carga, já que seus dados estão perdidos nos séculos. O trabalho
deve ser feito em conjunto entre os técnicos e seus assistentes, que
estudam .as possibilidades e cuidam da manutenção dos objetos.
Embora haja uma aura de mistério envolvendo as explorações de
naufrágios, usando-se a metodologia correta é possível ter êxito.
Alguns dados são importantes, como a localização do navio, a
profundidade, a penetração do casco e o sedimento que o envolve. Estas
informações ajudam a prevenir surpresas, como, por exemplo, o
tombamento das estruturas, que se deterioram com o passar dos séculos.
Como instrutor de mergulho diplomado pelo PDIC (Professional Diving
Instructors Corporation), procuro minimizar os riscos do mergulho em
destroços, ensinando técnicas que tornam o mergulhador apto a enfrentar
as dificuldades desses locais.
Mas nem sempre as surpresas são desagradáveis. Lembrome da ocasião
em que um mergulhador retirou do interior de um cargueiro afundado há
mais de cem anos um pequeno pacote de papel perfeitamente conservado.
Na etiqueta podia ler-se claramente: “Agulhas CRGP são de superior
qualidade — Fabricadas do melhor aço.” Aberto o pacote, lamentouse que
as agulhas não fossem tão resistentes quanto a etiqueta, pois já se
haviam transformado numa massa negra e disforme.
Não é apenas a ação contínua do mar que prejudica a retirada dos objetos dos navios. No oceano, qualquer suporte rígido é utilizado por espécies animais e vegetais, para dele extrair alimento e obter sustentação. As embarcações são verdadeiros chamarizes
para estes seres vivos, tornando-se com o passar dos séculos recifes
cobertos de organismos, o que dificulta sua identificação e
recuperação. Assim, a fauna dos naufrágios é sempre exuberante. Além
dos minúsculos animais que aderem às diversas peças, muitos peixes
grandes, como tubarões e raias, as utilizam como repouso. E fácil
imaginar a surpresa de alguém deparar com um tubarão de mais de dois
metros dormindo em algum compartimento.
As rodas de propulsão do vapor Bahia, que afundou ao colidir com
outro navio no litoral de Olinda, em março de 1887, são agora habitadas
por inúmeros cardumes, o que proporciona um espetáculo inesquecível aos
que se aventuram por estas águas.
Além do tubarão, o peixe-pedra ou mangangá (Scorpaena sp.), também é
um assíduo morador dos destroços submersos. O seu forte veneno,
secretado por suas glândulas ligadas aos espinhos na nadadeira dorsal,
representam um grande perigo para qualquer mergulhador, desavisado ou
não. Camuflado dentro do navio, o peixe dificilmente é percebido, o que
facilita que atinja o homem que nele toque.
Para muitos mergulhadores de naufrágios é triste constatar que sua
descoberta não resistiu à ação dos tempos. Como exemplo, o galeão
português São Paulo, que, embora possuísse 840 toneladas e vários
canhões, não suportou a batalha contra os piratas no cabo de Santo
Agostinho, em Pernambuco, e afundou no ano de 1652. Famoso pela sua
antiguidade, o navio foi por muito tempo motivo de cobiça entre os
caçadores de tesouros. Mas, descoberto o local de seu túmulo no mar,
constatou-se que toda a sua estrutura de madeira se desintegrata,
sobrando apenas as âncoras e alguns canhões. Uma decepção para os
cobiçosos caçadores, mas um naufrágio historicamente importante, e
ponto de honra no currículo de qualquer mergulhador.
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